ou Embuste exponencial
Há alguns meses, recebi uma mensagem de um amigo que não via há alguns anos, dizendo que ele gostaria de me apresentar uma oportunidade de negócio, mas que ele próprio não poderia explicar sobre o que se tratava. Eu teria, portanto, que comparecer a uma reunião na qual seria esclarecido o assunto. Movido pela curiosidade e pelo sigilo em relação a tal oportunidade, fui à reunião, na qual se apresentou a empresa: uma startup que acabara de entrar no mercado brasileiro, com um produto revolucionário que alteraria os padrões sociais. O foco da reunião, no entanto, foram as maravilhas (pecuniárias) de se associar a tal empresa. O apresentador nos mostrou como o dinheiro viria fácil, o quão cedo seria possível se aposentar (antes dos 40!) e, no geral, como minha vida seria incrível se eu aceitasse me tornar um associado da empresa.
Provavelmente, alguns leitores já sabem do que ser tratava a tal empresa, pois a fórmula é sempre a mesma; o que muda é a embalagem. São os chamados esquemas de pirâmide, normalmente mascarados sob a alcunha de marketing multinível ou marketing de relacionamento.
Antes que torpedeiem o artigo, vamos deixar algo claro: marketing multinível, pessoal e de relacionamento são modalidades de marketing completamente válidas, legais e éticas. O que ocorre com os esquemas de pirâmide é que eles se aproveitam da existência desse tipo de marketing para mascarar a verdade sobre a natureza antiética e insustentável de seu modelo de negócios.
Para os que ainda não tiveram o prazer de ser arrastado a uma destas reuniões, um esquema de pirâmide é uma empresa comercial, constituída de forma legal e que atua dentro da legislação vigente. Ou seja, esquemas de pirâmide não são ilegais. A empresa vende seu produto (seja qual for) por meio de vendedores que não são funcionários da empresa. É o mesmo formato das consultoras da Natura, que recebem os produtos em casa e os vendem às amigas. Elas recebem pela venda dos produtos, mas não são funcionárias da Natura.
Pois bem, no esquema de pirâmide, os vendedores são denominados “associados”. Eles pagam uma taxa de inscrição para aderir ao programa e, feito isso, estão autorizados a vender os produtos da empresa. Mais importante, os associados podem também trazer novos associados à empresa. E ganham bônus para tanto. Mas o buraco é muito mais fundo: os associados que entram na empresa por seu intermédio se tornam seus “filhos” (usarei este termo para fins de explicação), e ganha-se um bônus para cada filho que entra. Por razões que se tornarão mais claras a seguir, cada associado só pode ter dois filhos. Entretanto, os seus filhos podem conseguir filhos próprios (seus netos), e quando o associado ganha netos, ele ganha bônus pela entrada deles também. E assim se sucederá com netos, bisnetos e trinetos: para cada pessoa que entra na empresa diretamente abaixo do associado, ele receberá um bônus.
Até aí, parece uma excelente estratégia de marketing. Os associados, além de venderem seus produtos, ainda conseguem novos associados por iniciativa própria. E embora a empresa tenha que pagar bônus pela entrada de novos associados, a taxa de inscrição que cada um deles paga quando entra é muito superior aos bônus pagos, de modo que a empresa não perde dinheiro. Realmente, é uma estratégia de marketing eficaz, responsável pelo sucesso de várias empresas honestas e autênticas, como a Natura. Existe um ponto, no entanto, que diferencia os esquemas de pirâmide do legítimo marketing multinível: o produto. Seja qual for o bem ou o serviço que o esquema de pirâmide oferecer, existe algo de comum entre eles: o produto não é competitivo. Como exemplo, pense em uma caneta que parece comum, mas que alegadamente possui um giroscópio interno que cansa menos a mão, evita tendinite e deixa a letra mais bonita. O preço: R$ 137,00. O produto não é necessariamente enganoso (embora muitos sejam), mas a empresa nunca seria capaz de se sustentar através de sua venda.
O raciocínio é, de fato, muito engenhoso. A oferta de um produto é necessária por lei, tornando a empresa legal. O produto costuma ser algo inovador, com algumas características bastante atraentes e cuja autenticidade seja de difícil verificação – desse modo, fica mais fácil convencer novos associados a se associar à empresa (note que o marketing, nesse caso, é voltado ao vendedor, e não ao cliente!). Entretanto, se o produto fosse competitivo, alguns associados seriam capazes de ganhar dinheiro através da venda do produto, ao invés de angariar novos associados. Só que isso é tudo o que a empresa não quer. Se o produto é vendido, ela tem que se preocupar com questões produtivas, de demanda, logísticas, trabalhistas e etc. – e seu lucro dependeria da qualidade do produto e do custo para produzi-lo. Mas como o produto não é competitivo, se os associados quiserem recuperar o que eles gastaram quando aderiram ao programa, eles são forçados (sim, forçados) a trazer novos associados para a empresa.
Já é possível entender por que o modelo de negócios de pirâmide não é sustentável. Se cada associado que entra traz dois novos à empresa, o número de associados cresce de forma exponencial (2n-1), até que se sature o mercado. Já que o produto que a empresa oferece não é vendável, quando o mercado se torna saturado e não há mais para onde expandir, a empresa é forçada a fechar, pois ela só sobrevive enquanto entrarem novos associados. Contudo, além de insustentáveis, esses esquemas são igualmente antiéticos. Suponhamos que, para entrar, o associado pague 140 reais, e a cada “descendente” que entre na empresa, ele ganhe 10. São, portanto, necessários 14 descendentes para que ele consiga reaver o que investiu. 14 é, também, a soma de três gerações: 2 filhos, 4 netos e 8 bisnetos (lembrando que, nessa família, cada um só pode ter 2 filhos). Ou seja, só quando se completarem as três gerações posteriores é que o associado reaverá seu dinheiro.
Agora, a pergunta que eu gostaria de ver respondida por algum defensor de pirâmide: o que acontece com essas três últimas gerações da empresa quando o mercado se torna saturado e a empresa para de crescer? Eu mesmo respondo: elas não conseguem reaver o dinheiro investido e, portanto, saem no prejuízo. A última geração perderá os 140 reais investidos, enquanto a penúltima e a antepenúltima perderão 120 e 80, respectivamente. Bom, mas pelo menos todas as outras dezenas de gerações que vieram antes vão recuperar seu investimento, e quem sabe até obter um bom lucro! Sim, é possível, mas lembre-se que a população cresce como uma função exponencial de base 2. Portanto, as três últimas gerações representam, no mínimo, 87,5% da população inteira. Ou seja, a cada 8 associados que entram em um esquema desses, apenas um vai conseguir recuperar o que investiu – os outros 7 se arrependerão amargamente de terem entrado naquele barco. Assumi nesse exemplo que 14 bônus são necessários para cobrir a taxa de inscrição porque na empresa que me foi apresentada essa era a realidade, embora com outras quantias. Mas existe outro esquema de pirâmide no Brasil, muito grande, que a proporção entre a taxa de inscrição e os bônus é maior que 30:1. Com essa proporção, no mínimo 93,75% dos que entrarem sairão no prejuízo.
Portanto, não se iluda: é possível lucrar em esquemas de pirâmide? Sim, é possível ganhar bastante dinheiro, razão pela qual eles têm se tornado cada vez mais comuns. Mas para que você lucre, muitos outros associados terão um baita prejuízo – um só ganha se o outro perder. Muitas pessoas sabem disso e mesmo assim entram em esquemas desse tipo. Infelizmente, eu não tenho como convencê-las do contrário, mas espero que o artigo sirva para que indivíduos com boas intenções, mas desavisados, não entrem nesse esquemas, como já entraram diversos conhecidos meus.
Post com colaboração de Otávio Oliveira que é graduando em Administração de Empresas pela EAESP e Consultor da CJE-FGV.